domingo, 21 de novembro de 2010

PoP - Capítulo I


“ On top of the roof
The air is so cold and so calm
I say your name in silence
You don't want to hear it right now ”


A música calma do salão me deixava tonta. Eu me sentia hipócrita por estar em uma festa justo agora. Mas minha dor era tão forte que eu precisava fazer algo para que ela se fosse. Eu só não imaginava que uma festa iria me machucar ainda mais. A decoração era simplesmente linda, acredito que toda decoração de baile de máscara era assim. Faixas douradas e prateadas pendiam das paredes, vasos com rosas brancas se espalhavam pelas mesinhas circulares do salão oval, as luzes coloridas passavam pelo meu corpo, como se implorassem para que eu dança-se. Mas eu não iria dançar, eu não tinha o que festejar, Joseph não estava ali comigo, não havia mais ninguém para me acompanhar naquela dança. Diferente de mim, todas as garotas daquele baile pareciam ter um par. Eu não conseguia reconhecer os rostos direito, afinal, era um baile de máscaras. Tudo o que eu conseguia ver eram máscaras. A minha vida inteira eu apenas vi máscaras. Máscaras de mentiras, de orgulho, máscaras de proteção, mas todas não passavam de máscaras. E, ironicamente, eu estava em um baile de máscaras. Não sei como ainda conseguia ficar ali, não ver o verdadeiro rosto das pessoas era algo que eu não suportava mais.

- Alana. – nem precisei me virar para saber que era minha prima, Jane, me chamando novamente. – Ou você se levanta e vai dançar, ou eu...
- Ou o que, Jane? – eu me virei para ela, a máscara roxa cobria parte de seu rosto – Não tenho nada que você possa tirar de mim e você não tem nada para me dar.

Jane me olhou como me olhava há dias. Com pena. E eu detestava aquilo. A ruiva levantou a máscara e eu pude ver seu rosto. As bochechas marcadas de sardas, os olhos verdes eram mais visíveis agora, apesar da forte maquiagem escura que ela usava, o nariz empinado coberto de glitter. Ela fez um biquinho de lado, eu tirei minha máscara, aquilo estava começando a me irritar.

- Lana... – ela me disse em um tom amigável, como se estivesse falando com uma criança, e eu detestava isso também – Você precisa aceitar prima. – eu neguei com a cabeça, os olhos começando a ficar marejados – Sim Alana, você precisa sim. – ela colocou uma mão sobre meu ombro, como um gesto de consolo – Precisa aceitar que acabou. Ele não vai vol...
- Eu sei Jane! Não precisa repetir, tá legal? – eu desviei meu ombro da mão dela e lhe dei as costas. Eu conhecia minha prima, sabia que ela não viria atrás de mim.

Senti duas lágrimas rolarem pelo meu rosto, eu estava chorando novamente, pela terceira vez naquele dia. Saí para a varanda do salão, um vento frio soprou em meu rosto, mas claro, eu o senti parcialmente, como todas as sensações. Quente, frio, líquido, sólido. Para mim, era tudo a mesma coisa. Nem sempre foi assim, apenas de uma semana pra cá.
Eu me debrucei na mureta da varanda, olhando a paisagem. Estava escuro e a luz da Lua cheia estava fraca naquela noite, talvez porque haveria um eclipse mais tarde e era esse o motivo do baile. Claro, para mim, um eclipse significava muito mais, muito mais mesmo. Eu afastei todas as lembranças de mim naquele momento, eu teria que prosseguir sem Joseph, mas confesso, eu não estava obtendo muito sucesso, afinal, por mais que eu tentasse empurrar, jogar, atirar ou apagar todas as lembranças que ele havia me deixado, acreditem, eu não estava obtendo sucesso algum.


# CAPÍTULO 1 – Dezesseis anos atrás

Eu tinha apenas cinco anos e era meu primeiro dia de aula. Nunca é fácil para uma criancinha encarar a escola pela primeira vez, ainda mais quando praticamente todas as crianças ao seu redor pareciam apavoradas. Eu apertava fortemente a mão da minha mãe e tentava me esconder atrás de meu cabelo preto. Eu tinha sorte dele estar bem longo, assim ele cobria quase metade do meu rosto. Os portões foram abertos e minha mãe começou a caminhar para dentro da escola, sorrindo confiante para mim, só por isso eu não estava chorando também, mas que eu estava completamente assustada, isso era verdade.
Ela parou de andar quando chegamos a ultima sala de um corredor todo colorido. A porta tinha um tom de azul bebê e por trás das pernas da minha mãe eu espiava dentro da sala. Ao menos tentava, porque a mulher de frente para minha mãe não me deixava ver muita coisa além de suas calças de moletom avermelhadas. A mulher agachou-se, ficando da minha altura, um sorriso completamente branco brilhava em seus lábios, os olhos negros e meio puxadinhos pareciam sorrir também, seu cabelo era completamente escorrido e os lábios tinham um tom rosado igual aos da minha mãe.

- Olá pequena. – ela me disse, sorrindo ainda mais – Você vai ficar comigo hoje? – eu neguei com a cabeça para ela, mordendo meu dedo e me escondendo mais ainda atrás da mamãe.
- Que coisa feia, Alana. – mamãe me pegou no colo quando eu comecei a pedir por colo, estava realmente assustada, mas ainda não chorava – Você me disse que ia ficar, lembra?
- Mamãe, ela é má. – eu cochichei para minha mãe, me agarrando ao seu pescoço e desesperada para ir embora dali.
- Por que diz isso? – minha mãe tentava não rir, e a professora também.
- Porque todas as criancinhas tão chorando. E ela vai nos comer. – eu dizia com tanta certeza que qualquer um poderia acreditar.

Minha mãe revirou os olhos e a professora segurou uma risada. Outra mãe chegou ali, segurando um garotinho de cabelos negros e encaracolados e outro com cabelos cortados num “tigelinha” horrível. Eu podia sentir que este garoto estava com tanto medo quanto eu, mas mantinha o nariz empinado e sorria de uma forma engraçada. Eu, que ainda estava no colo da minha mãe, debruçada em seu ombro, acenei de leve para ele, que sorriu e cutucou a mãe.

- Mamãe, por que aquela menina tá com medo? – ele perguntou, em alto e bom tom, sabe, voz de criança é bem alta mesmo.
- Shh, Joe. Que coisa feia. – a mãe o repreendeu, mas em voz baixa, apenas nós a ouvimos. O outo garoto (que devia ser seu irmão) ficou corado.
- Mas mamãe, ela tá sim. – ele continuava afirmando, a voz ainda alta.

Eu endireitei meu corpo no colo da minha mãe, ficando apenas sentada. Eu até podia estar com medo, mas não queria que todo mundo ficasse sabendo.

- Eu não estou com medo. – eu disse para ele, mostrando a língua.
- Alana! – Minha mãe colocou a mão sobre minha boca – O que eu lhe disse sobr...
- Está sim, tá no colo da sua mamãe. – ele dizia como se fosse algo muito engraçado.
- Eu não to não! – e então, eu pulei do colo da minha mãe, mas ainda segurando em sua mão, de jeito nenhum eu queria que ela fosse embora. – Viu?
- Você tá com medo. – agora o garoto cantarolava, e a mãe dele começava a ficar corada e a puxá-lo pela mão, como se o repreende-se silenciosamente.
- Eu não to não! – eu estava com tanta raiva (e com tanta vergonha) que meus olhos finalmente começaram a ficar molhados. Claro, o medo de ficar sozinha também ajudava.
- Alana, você precisa entrar querida, e eu preciso ir. – minha mãe havia se agachado também, olhando em meus olhos como ela sempre fazia.
- Você promete que vai voltar? Eu não vou ficar aqui pra sempre, né? – minha mãe negou com a cabeça, um sorrisinho no canto dos lábios, eu sabia que ela queria rir, o que me deixava mais nervosa.
- Não querida, não vai. Eu volto rapidinho, tudo bem? E a Senhorita Donnes vai cuidar muito bem de você enquanto isso.

Eu concordei com a cabeça e soltei a mão sua mão, ela me deu um beijo na testa e então eu entrei na sala.
Era uma sala meio oval, não era realmente quadrada. As paredes eram todas coloridas e cheias de desenhos infantis, rabiscadinhos, como se tivessem sido desenhados com lápis de cera, as mesinhas eram de madeira pintada, uma de cada cor. Colchões amarelos estavam empilhados no canto da sala ao lado de um baú de madeira enorme, pintado de vermelho e azul por fora. Um pianinho de criança de madeira alaranjada ficava perto da mesa da professora, era lindo, por sinal.
A Senhorita Donnes segurou minha mão e me levou até uma das mesas, colocando-me sentada junto com o tal Joe, seu irmão e mais uma garotinha loira.


- Não tá mais com medo? – ele insistiu.

- Joe, cala a boca! – reclamou seu irmão.
- Não vou não, Nick! – e Nick revirou os olhos para o irmão.
- Eu não tava com medo, seu feioso. – eu mostrei a língua para Joe de novo, o garoto começou a rir.
- Vocês estão brigando? – a garotinha loira perguntou, os olhos um tanto vermelhos, certamente, ela era uma das dezenas de crianças que estavam chorando. – Brigar é feio, sabiam?
- Eu sei, não tava brigando com ele. – eu disse para a menininha, e Joe sorriu, como se concordasse, certamente, era o que estava menos assustado. – Como é seu nome? Meu nome é Alana e o dele é Joe e o dele é Nick. – eu apontei para os dois garotos e para mim mesma.
- Meu nome é Wendy. – a loira sorriu para nós três.

Antes que nós pudéssemos dizer mais alguma coisa, a professora fechou a porta e se colocou a frente da sala.
A Senhorita Donnes abriu um largo sorriso, como se com isso tentasse nos deixar mais à vontade, e ela estava até conseguindo.

- Bom dia crianças. – ela nos saudou – Meu nome é Alice Donnes, mas podem me chamar de Tia Alice.

E daí toda aquela apresentação começou. As crianças disseram seus nomes, a professora fez com que cada um desse um abraço no amiguinho que se apresentava, ou seja, em minutos, todas as criancinhas assustadas estavam rindo e dizendo seus nomes para todo mundo.
 Depois, Tia Alice fez um círculo com todos nós e nos sentou no chão.

- Agora vamos conversar em grupo. Eu quero que vocês digam algo diferente que sabem fazer. – todas as crianças fizeram uma careta de assustadas – Quer começar, Joseph? – ela pediu sorridente.

O garoto ao meu lado engoliu em seco, mas concordou firmemente com a cabeça, levantou-se, o nariz um tanto empinado. Exatamente como ele fez quando tentou esconder que estava com medo.

- E-eu... – ele fez uma pausa, olhou para o irmão e pigarreou baixinho – Eu sei cantar.
- Que bom, querido. – a mulher continuava sorrindo de forma radiante. – Quer cantar para nós?
- Meu irmão pode tocar? – Nicholas puxou o braço do irmão, olhando feio para ele, mas Joe apenas o olhava de forma travessa.
- Você toca, Nicholas? O que? – ou a professora não via que Nick estava tão envergonhado que mal conseguia falar, ou ela gostava de fazer isso com as crianças. Algo me dizia que era a segunda opção.
- P-pi... Piano. – gaguejou Nick, as bochechas tão vermelhas que eu tinha vontade de apertá-lo.
- Ora, muito bem. Então, vocês podem nos mostrar?

Joe sorria convencido e Nick continuava vermelho. Joe fez com que Nick se levantasse e o levou até o pianinho, colocando o irmão sentado no banquinho. A cena era cômica e toda a sala riu, Joe sorriu mais convencido ainda, ficando em pé ao lado do pianinho, mas Nick não tocava. Joe chutou de leve o pé do irmão, que olhou feio para ele e só então começou a tocar. Uma música que eu conhecia, claro. Qualquer criança naquela sala conhecia aquela música.

- You've got a friend in me. You've got a friend in me. When the road looks rough ahead and you're miles and miles from your nice and warm bed. You just remember what your old pal said. Boy, you've got a friend in me. Yeah, you've got a friend in me

Sim, Joe e Nick tocavam e cantavam aquela música de Toy Story. Logo, todas as crianças batiam palmas no ritmo da música e cantavam o refrão com Joe. Aliás, Joe tinha uma voz muito boa de ouvir, era afinado, diferente das outras crianças da sala. Nick parecia ter perdido sua vergonha e estava completamente concentrado em seu piano, os dedinhos deslizando naturalmente sobre as teclas. Joe tinha um carisma anormal para sua idade, os dois tinham um certo comando sobre a turma, como um dom.

- And as the years go by our friendship will never die. You're gonna see, it's our destiny. You've got a friend in me. You've got a friend in me. You've got a friend in me

E eles terminaram, a sala toda aplaudiu. Nick levantou-se do banquinho, deu a mão para Joe e juntos eles agradeceram, como se fosse o final de um show.

- Muito bem meninos. – aplaudiu a professora, sorrindo – Foi realmente muito bom.

Joe voltou a sorrir convencido, talvez seu pequeno ego de criança estivesse quase explodindo, e ele só tendia a aumentar.
 Os dois voltaram para seus lugares no círculo, entre Wendy e eu, e se sentaram.

- Vocês foram muito bons! – Wendy elogiou, Nick sorriu corado, Joe sorriu cheio de si.
- É verdade – eu concordei, balançando a cabeça positivamente – Eu também sei cantar, Joe. – o garoto abriu a boca para dizer algo, mas a voz que ouvi não era a dele.
- Ora Alana, mostre para nós. – pediu a professora.

Eu fiquei vermelha, a sala toda me olhava. É, eu cantava bem, segundo a minha mãe. Mas nunca havia cantado para mais ninguém.

- Vai Alana, canta. – Joe me encorajou, mas seu tom era de desafio.
- Ahmm... Tudo bem... – eu me levantei meio trêmula. Ótimo, qual música eu iria cantar agora? A única música que me veio à cabeça foi a música de meu desenho preferido. Eu só esperava que não ficasse tão ruim. Eu pigarreei baixo.

- Tale as old as time. True as it can be. Barely even friends, then somebody bends unexpectedly

É, a música da Bela e a Fera foi a primeira coisa em que pensei. Eu não tinha o mesmo carisma de “liderança” que Joe, e nem a incrível concentração de Nick, mas a turma parecia encantada com alguma coisa em mim, todos me olhavam com cara de bobos.

- Beauty and the Beast. Tale as old as time, song as old as rhyme. Beauty and the beast

Eu mal terminei de cantar e aplausos começaram. Eu sorri agradecida, segurei em minha calças como se fossem a saia de algum vestido e fiz uma reverência para todos, me sentando em seguida.

- Muito bonito Alana. – a professora cessou as palmas, um grande sorriso brilhava em seu rosto – Vejo que tenho três belos talentos na sala. Isso é ótimo.

Nós três sorrimos para ela, claro, Joe mais convencido que antes. Na época eu nem imaginava, mas eu estava sendo comparada com uma das maiores febres mundial, que também se tornaria o monstro mais orgulhoso e o cara que eu mais iria amar e que mais iria me machucar. Claro, eu nem imaginava isso. Se tivesse ao menos tido alguma noção, teria pedido para minha mãe me mudar de escola. Mas, para minha felicidade (e não estou sendo irônica), eu não sabia de nada.

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